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As conversas que tive com minha mãe 

Sete anos passados de sua morte, recordo nossa última conversa e como foi decisiva para minha caminhada sem ela

Acordei assustado! Não compreendi, no primeiro momento, o motivo do sobressalto. Só depois de pegar o aparelho para ver as horas, tomei ciência da data de hoje: 5 de junho…

Sete anos atrás, minha mãe se foi. Sete anos passam rapidamente e, pelo menos para mim, parecem estar logo ali. Compreendi a sensação de sobressalto. Foram seis meses de um misto de sentimentos, coisas que se misturavam em minha mente: medo, esperança, incredulidade, impotência, fé, desespero…

Esse turbilhão de sentimentos teve início no dia da partida de minha mãe… Aquele domingo, por volta do meio-dia, foi um soco no estômago. Tudo perdeu a cor e, imediatamente, o mundo adquiriu uma nova tonalidade. Contrariando minhas expectativas, ele não se tornou preto e branco. Pelo contrário, após o choque inicial, tudo ao meu redor ganhou vida. As cores, os sons, as pessoas que se solidarizavam. O mundo adquiriu uma nova dimensão; a sensação que me tomou foi de completude!

Talvez você se pergunte: Como assim? Você perdeu sua mãe!!!

A resposta a essa pergunta me foi dada na última conversa que tive com minha mãe.

Na ocasião, ela já sabia de seu estado terminal. Porém, eu não sabia. Eu estava imerso em um mar de sentimentos efervescentes que me envolviam a cada momento.

Era um domingo de maio. Ela havia apresentado confusão mental e alucinações. Seguindo a recomendação médica, voltamos ao Hospital Santo Antônio. Na emergência, que ficava no antigo Hospital São Jorge, enquanto aguardávamos, ela recobrou a consciência e começamos a conversar.

Falamos sobre coisas do nosso dia a dia. Perguntei se ela estava se sentindo bem. Ela respondeu que sim, mas queria me dizer algumas coisas. Como sempre, falou sobre paciência, sobre não esperar dos outros o que eu mesmo não poderia oferecer e que eu deveria aprender a olhar para frente.

O mais importante dessa conversa veio de forma tão simples que só percebi no dia de sua morte. Encostando a cabeça em meu ombro, ela me disse que, independentemente de ser naquele momento ou em outro, um dia ela não estaria mais ali. Pediu-me que, quando esse dia chegasse, eu não lutasse contra a dor, a raiva ou a sensação de impotência. Simplesmente aceitasse e compreendesse que mães e pais são como nascentes de rios. Eu ri e pensei que ela tinha voltado a delirar. Perguntei: mãe, que dia é hoje? Domingo, ela respondeu e completou o raciocínio anterior, dizendo: mesmo que a fonte seque, as águas do rio continuam correndo e recebem novas águas…

Seguiu-se um silêncio. Ela permaneceu com a cabeça em meu ombro. Estávamos sentados lado a lado. Ficamos ali em silêncio. A enfermeira chegou e informou que o leito estava autorizado. Veio a maca. Dona Yvone já não reagia, não falava, não apresentava movimentos, embora respirasse. Já na enfermaria, após os exames clínicos iniciais, a médica que nos atendeu informou que ela estava em coma. Minha fonte começava a secar.

Os dias se passaram. Angústia, medo, fé, incredulidade, desespero e, no dia 5, outro domingo, veio a compreensão… Completude! Eu não lutei, apenas aceitei que a partir daquele momento eu era um rio que seria completado por outras águas – minha família, alguns poucos amigos – e que eu também era fonte, e um dia me extinguiria, mas as águas continuariam a fluir.

O autor:

Jorge Andrade é jornalista e gestor público. Filho da pedagoga Maria Yvone da Costa, falecida em 5 de junho de 2016